segunda-feira, 23 de março de 2015



Temas-tabus

 Teones França – Historiador (18/01/2015)

                A intenção é neste espaço debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. Três desses quatro índices apontam resultados acachapantes e que demonstram um posicionamento nítido da população do país no que se refere a esses temas.

                               

PARTE I: LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

 

 


                Nas últimas semanas acompanhamos estarrecidos os casos de duas moradoras do Rio de Janeiro que tiveram suas vidas interrompidas quando tentaram realizar um aborto numa das muitas clínicas clandestinas espalhadas pelo nosso estado. Mesmo em cidades distintas elas padeceram da mesma tragédia: morreram no meio do procedimento cirúrgico e seus corpos foram abandonados na rua. Uma delas só foi identificada após exame de DNA já que seu corpo foi encontrado carbonizado.

                Parece mentira, mas situações como essas são comuns, simplesmente porque o aborto é considerado crime de acordo com o Código Penal brasileiro. Sendo assim, clínicas clandestinas como as que receberam essas duas vítimas, além de não darem a assistência médica devida não titubeiam entre as opções de serem criminalizados ou abandonarem o corpo em via pública. As leis brasileiras entendem que o aborto só deve ser permitido em caso de estupro ou de morte iminente da mãe. No entanto, essa regra só tem validade para as mulheres pobres porque, para aquelas que têm dinheiro, a interrupção da gravidez pode ser realizada numa clínica que, apesar de clandestina, possui estrutura e profissionais adequados para realizar procedimentos cirúrgicos seguros. Em geral, a relação entre custo e certeza de uma boa cirurgia é diretamente proporcional.

                Segundo um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, apenas em 2013 foram realizados cerca de 865 mil procedimentos ilegais de interrupção de gravidez. Anualmente, a rede pública de saúde tem aproximadamente 250 mil internações em decorrência de complicações pós-abortamento. É a 5ª causa de mortalidade materna! Certamente que a maioria é de mulheres pobres, sendo que muitas delas, meninas com idade entre dez e catorze anos. Portanto, antes de ser considerado crime a questão do aborto no Brasil deveria ser considerada um caso de saúde pública já que é algo que acontece de maneira recorrente, em grande quantidade e causa um sério impacto para a saúde da população.

                Não resta dúvida que é um tema bastante controverso e, por isso, há diversas opiniões a respeito. De acordo com o médico e escritor Dráuzio Varela, é possível identificarmos três linhas de pensamento coletivo sobre o tema. Há os que são contra a interrupção da gravidez em qualquer fase por entenderem que a alma se instala no momento da fecundação e, assim, independentemente do tempo de gestação o produto conceptual já é sagrado. Há também os que acreditam que até o terceiro mês de gravidez o feto apresenta um mínimo de atividade mental ou consciência e até esse momento o aborto deve ser autorizado. Por fim, existe o grupo mais pragmático e com pensamento menos religioso que entende que se os abortos acontecerão de qualquer maneira mesmo, proibidos ou não, melhor que sejam realizados por médicos e no início da gravidez.

                Como atestam a existência dos dois primeiros grupos, a religião está no centro desse debate. Se, de um lado, temos ainda o posicionamento arcaico da cúpula da Igreja Católica em recomendar a seus fiéis a não adoção de métodos anticonceptivos, do outro, observamos todo o poder que possui a bancada evangélica no Congresso Nacional que impede a aprovação de qualquer lei que descriminalize o aborto no Brasil, mesmo que não o torne legalizado. Tudo sempre feito supostamente em nome da vida e da responsabilização da mulher sobre seu corpo.

                Na realidade, não há quem possa ser a favor do aborto, mesmo as mulheres que já passaram por esse procedimento. Quem defende a sua legalização apenas quer impedir que mais mulheres morram nesses “matadouros” clandestinos.

                Para concluir este texto, Dráuzio Varela tem mais gabarito no assunto: “não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros”.
 
 
 
 
Temas-tabu (2)
 
                Seguindo com a intenção de utilizar este espaço para debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. No texto anterior analisamos a questão da legalização do aborto. Agora, na parte II discutiremos a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
 
PARTE II: O casamento entre pessoas do mesmo sexo

 
É cada vez mais comum nas novelas da principal emissora de TV brasileira encontrar personagens homossexuais. Se os primeiros eram caricatos e se caracterizavam a partir dos estereótipos que constituem os gays para a maioria das pessoas – afeminados, rebolativos, com voz feminina e roupas extravagantes –, alguns dos mais recentes personagens expressam sua homossexualidade somente no âmbito de sua vida privada. Essa mudança denota claramente a tentativa dos autores desses folhetins em despertar nas pessoas uma nova forma de pensar a respeito desse assunto, visando a diminuição do preconceito contra aqueles que se sentem atraídos por pessoas do mesmo sexo.
Parcela considerável de brasileiros se considera agredida por esses personagens e entende que as novelas estão cumprindo um desserviço ao nosso meio social influenciando jovens a se tornarem gays. Porém, naturalizar a homossexualidade nos veículos de comunicação, não a escondendo debaixo do tapete, pode contribuir bastante para que várias vidas sejam salvas já que os homossexuais constituem um dos grupos que mais sofrem violência em nosso país. De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a cada hora um gay é agredido fisicamente no Brasil.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser debatido nesse contexto. Além de expressar o amor contido na união de duas pessoas o casamento homossexual é antes de qualquer coisa um ato político que visa estimular outros casais a fazerem o mesmo e fortalecer a luta dos gays pela ampliação de seus direitos. Não nos esqueçamos que, segundo pesquisa recente, 53% dos brasileiros não concordam com o casamento gay.
Foi esse o motivo principal que fez com que no mês de novembro último fosse realizado no Rio de Janeiro o maior casamento homoafetivo do planeta com 160 uniões e uma festa para mais de 1500 convidados. Os organizadores do evento esperam contar com o apoio do governo estadual para realizar o próximo no Maracanã, com 300 casais.
Pelo menos 22 países do mundo já realizam casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Entre eles estão: Holanda, França, Inglaterra, Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai. Nos Estados Unidos, em alguns estados também são realizadas as uniões. Alguns países, inclusive, até adaptaram esse direito em sua Constituição.
No Brasil, em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o casamento entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar por analogia à união estável. As uniões passaram a ocorrer em doze estados: Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Bahia, Piauí, São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia, Santa Catarina e Paraíba, além do Distrito Federal. No Rio de Janeiro, apesar de o Tribunal de Justiça ter diminuído a burocracia, ainda ficava a cargo de cada juiz decidir sobre os pedidos. Dois anos depois, no entanto, o Conselho Nacional de Justiça não apenas obrigou todos os cartórios do país a cumprirem a decisão do STF como também obrigou a conversão da união estável em casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário da união estável, o casamento civil, por ser um contrato formal, concede mais direitos aos casados, tanto em vida quanto após a morte de um dos cônjuges.
Diante disso é salutar que indaguemos: por que as deliberações sobre esse tema vêm sempre do Poder Judiciário e, além do mais, por que dois anos após a primeira decisão nossos magistrados tiveram que agir de maneira mais contundente?
Simplesmente porque o Poder Legislativo sucumbe às pressões dos setores mais conservadores e, por isso, não há uma lei no Brasil que autorize o casamento gay. Sendo assim, muitos cartórios, sob essa alegação, se negavam a realizar a união. Há quase dez anos a então deputada Marta Suplicy apresentou um projeto no Congresso Nacional que se propunha a regularizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, esse projeto não somente está engavetado, como há outro em tramitação que defende restringir o conceito de família apenas aos casais formados por homem e mulher.
O argumento de que duas pessoas do mesmo sexo não podem constituir uma família parece ser a justificativa principal daqueles que são contrários ao casamento homoafetivo, além, é claro, da questão religiosa – que sempre permeia essas ideias conservadoras – e de todo preconceito desferido contra o homossexual. E, assim, valores tradicionais, como a família, continuam sendo postos acima do maior valor que pode existir numa relação entre dois seres humanos: o amor.
 
 
Temas-tabu (3)
 
                Seguindo na lógica de utilizarmos este espaço para debatermos de maneira direta temas-tabus que a sociedade brasileira enxerga de maneira extremamente conservadora. Pesquisa divulgada pelo Ibope no dia 3 de setembro último apresenta alguns dados bem interessantes: 79% dos brasileiros são contra a legalização do aborto; mesmo índice de pessoas contrárias à legalização da maconha; 53% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo; enquanto que 83% posicionam-se favoravelmente à diminuição da maioridade penal para 16 anos. Já debatemos sobre o aborto e o casamento homoafetivo; a idéia agora é discutirmos a legalização da maconha.                             
 
PARTE III: A legalização da maconha
“Legalize já, legalize já!                Porque uma erva natural não pode te prejudicar”.
                Já se foi o tempo em que o grupo de rock Planet Hemp defendia praticamente sozinho, e em público, esses versos. Há 20 anos quando gravavam “Legalize já!” essa ideia não possuía ainda a adesão atual. Hoje, no meio científico, e até entre as pessoas comuns, cresce a cada dia o número de defensores da legalização da maconha. A erva vem deixando, assim, de ser bem vista apenas por aqueles que gostam de “fazer a cabeça”.
                A cannabis (nome científico da maconha) era amplamente utilizada em regiões da Ásia há mais de 5 mil anos como tratamento para diversas doenças. No século 19 era comum médicos venderem-na. Entretanto, uma convenção da ONU, realizada em 1961, proibiu seu uso mundialmente por considerá-la uma substância entorpecente.
                Nas últimas décadas começaram a se intensificar os estudos que apresentam os benefícios medicinais da maconha e a discussão sobre a sua legalização ressurgiu com muita força em diversas partes do mundo. A maioria dos países ainda não aceita o uso recreativo da erva, mas ano após ano aumenta o número dos que concordam em utilizar as substâncias químicas, como o THC e o canabidiol (CBD), presentes na cannabis, para o tratamento de diversas doenças e fabricação de remédios.
                Segundo os estudos a planta pode até não curar, mas tem o poder de retardar o avanço de doenças, controlar sintomas e complementar os tratamentos convencionais dos seguintes males: AIDS, hepatite C, epilepsia, Alzheimer, Parkinson, glaucoma, insônia, esclerose múltipla, asma, artrite reumatoide, síndrome de Tourette e doença de Crohn. No caso do câncer, a maconha seria útil para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia.
                Entre Israel, que foi o primeiro país do mundo a legalizar o uso médico da planta, e o Uruguai, que foi o último, vários outros já puseram, de forma diferenciada, em suas legislações a utilização da maconha para esses fins. Dentre eles: Canadá, Chile, Itália, Bélgica, Inglaterra, Espanha, Holanda e diversos estados norte-americanos.
                De acordo com pesquisa recente, 79% dos brasileiros são contrários à legalização da maconha. Esse debate esquentou este ano por aqui quando se tornou público o caso da menina Anny, de 5 anos, portadora de uma rara síndrome genética que a levava a ter até 80 crises de convulsões epiléticas por semana. Ao usar um óleo à base de CBD, sem qualquer efeito entorpecente, teve suas crises zeradas em poucas semanas. A substância havia sido comprada pelos pais em um laboratório dos Estados Unidos e enviada ao Brasil ilegalmente, mas a remessa seguinte foi retida pela Polícia Federal, pois derivados da maconha são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resultado: as crises retornaram. Após muita briga, na Justiça e em público, a família conseguiu uma ordem judicial e Anny tornou-se a primeira paciente brasileira a ter autorização para importar um medicamento à base de maconha.
                A situação, no entanto, talvez esteja começando a mudar. Em outubro último, uma Comissão do Senado aprovou um relatório que permite a importação de derivados da maconha para pacientes de doenças graves e especifica melhor a diferenciação entre usuário e traficante de drogas. No entanto, até ser aprovado no Congresso o relatório ainda percorrerá um longo caminho. Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina aprovou resolução autorizando a prescrição do CBD para crianças e adolescentes epiléticos que não respondam bem aos tratamentos convencionais. Porém, somente psiquiatras, neurocirurgiões e neurologistas poderão fazer a prescrição.
                Sem dúvida, estamos ainda muito longe da legislação uruguaia, aprovada há pouco mais de um ano que, com o objetivo de acabar com o poder do narcotráfico, permitirá, a partir de 2015, que os cigarros de maconha sejam vendidos em farmácias no Uruguai.
                É verdade que a maioria dos usuários de maconha em nosso país utiliza a planta de forma recreativa e não para usos medicinais. Contudo, diante do fracasso da luta governamental contra o tráfico e do prejuízo que esta causa a milhões de trabalhadores subjugados nas comunidades em que os traficantes se escondem, a legalização da planta, acompanhada de uma campanha educacional, talvez seja a melhor solução. Lembremos que foram justamente campanhas como essas que reduziram drasticamente o número de fumantes de cigarros no Brasil.
 

 



“Eh, ô ô, vida de gado”.

“Patrão, o trem atrasou”.

 

Teones França – Historiador    (10/01/2015)

 

                Um dos sucessos do carnaval de 1941 no Rio de Janeiro, a marchinha-súplica “Patrão, o trem atrasou / Por isso estou chegando agora... / o senhor não tem razão pra me mandar embora!” indicava que era comum para o trabalhador já naquela época chegar atrasado ao trabalho por culpa do serviço mal prestado por esse meio de transporte.

                Passados mais de setenta anos, os trens seguem causando muitos transtornos aos que necessitam utilizar os vagões que andam sobre trilhos. Atrasos, superlotação, panes corriqueiras no meio do trajeto, veículos mal conservados são apenas alguns dos problemas enfrentados pelos passageiros, em sua maioria absoluta pobres, no caminho de casa ao trabalho, numa verdadeira aventura a bordo desses caixotes de ferro e aço.

                Conseguir chegar em casa apenas um pouco mais cansado do que estava após largar o “batente” cerca de três horas antes já é algo a ser comemorado, pois, como comprova o acidente do dia 5 de janeiro, ao se utilizar o transporte ferroviário existe a possibilidade concreta de sair-se gravemente ferido e pôr a vida em risco. Naquele dia, duas composições de trens da SuperVia bateram em Mesquita, sendo que uma delas estava parada!!! Um saldo de mais de duzentos feridos e muita reclamação pela demora no atendimento às vítimas. Além da dor física, muitos dos acidentados, sem proteção, ainda tiveram seus pertences roubados por aproveitadores. Uma triste e lamentável cena de horror.

                Até alguns anos atrás se culpava o mau serviço prestado nos trens pelo fato de ele ser estatal. Após a sua privatização, além de algumas maquiagens realizadas pela concessionária vencedora (hoje, a Odebrecht, sempre ela, detém a maior parte do capital do grupo), nada se alterou, ou melhor, alterou sim: o dinheiro arrecadado vai parar agora, sob a forma de lucro, nas mãos de poucos afortunados

                O transporte sobre trilhos, que seria uma ótima válvula de escape para o caótico sistema rodoviário brasileiro, segue sendo secundarizado em benefício dos grandes “tubarões”, donos das empresas de ônibus. Enquanto as tarifas aumentam mais do que a inflação anunciada, o serviço oferecido nos veículos sobre rodas também deixa muito a desejar, com frotas obsoletas, manutenção mal feita e poucos coletivos com ar-condicionado.

Obviamente, quem mais sofre com essa situação é a população mais carente que, como sempre, é tratada feito gado pelas autoridades públicas brasileiras. Alguns, mais coniventes, dirão: “mas, existem várias opções de transporte para o pobre!”. É verdade, vamos a elas: tem-se a alternativa de viajar no desconforto de ônibus calorentos e apinhados de gente, trafegando a 10 km/h nos cada vez mais extensos congestionamentos cotidianos; há também a opção de sofrer num trem igualmente desconfortável, ensaiando para voltar na próxima encarnação como sardinha enlatada; e, por fim, existe ainda a escolha mais recomendada pelos nossos políticos, por ser a mais saudável: atravessar as rodovias de bicicleta.

Contudo, apesar de “marcado”, seguimos sendo um povo feliz. (Até quando?).

E a vaca começou a tossir...

 

Teones França – Historiador   (6/1/2015)

 

                No auge da campanha eleitoral, quando Marina Silva ganhava espaço, Dilma, em um de seus programas, disse que a adversária pretendia acabar com direitos do trabalhador e concluía essa ideia com a seguinte frase: “não mexerei nos direitos trabalhistas nem que a vaca tussa!”. Naquele momento, muitos dirigentes sindicais se entusiasmaram com essa retórica, que apenas corroboraria a defesa que faziam do voto na candidata petista. Mas, a vaca começou a tossir mesmo antes da posse da atual presidente para seu segundo mandato.

                A poucos dias de encerrar o ano e sob o pretexto de fazer uma economia de 18 bilhões de Reais o governo afirmou que enviaria ao Congresso Nacional uma Medida Provisória com mudanças no acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial do PIS e ao auxílio-doença, além de alterações nas regras das pensões.

                O abono do PIS que antes correspondia a um salário mínimo e era pago a quem trabalhasse por pelo menos um mês com carteira assinada no ano anterior, agora passará a ser proporcional ao período trabalhado e só terá acesso a esse benefício quem tiver trabalhado por seis meses com carteira assinada. O trabalhador demitido poderia pleitear o seguro-desemprego depois de seis meses na mesma empresa, mas a partir deste ano terá que ter 18 meses no emprego na primeira solicitação. Já as pensões deixarão de ser vitalícias para cônjuges de até 35 anos.

                É apenas um prenúncio do que vem por aí. Para o trabalhador periga essa vaca pegar uma pneumonia nos próximos quatro anos.

 

A colcha de retalhos de Dilma.

Será que número de ministros não chegou a 40 para presidente não ser apelidada de Ali Baba?

 

Teones França – Historiador   (6/1/2015)

 

                Dilma iniciou o seu segundo mandato e os 39 ministros que compõem o primeiro escalão do governo já tomaram posse. Número este extremamente excessivo se comparado aos dezesseis da Alemanha – a quarta maior economia do mundo – e aos 21 do final do governo de Fernando Henrique.

Os petistas, em seus 12 anos de presidência, praticamente dobraram a quantidade de ministros. Por quê? Para lotear ministérios entre os partidos aliados e conseguir uma base de sustentação estável de deputados nas votações principais no Congresso Nacional. No entanto, a conta é alta, pois para o funcionamento dessas pastas são necessários cerca de um milhão de servidores com salários que somados atingem aproximadamente 200 bilhões de Reais ao ano.

Ao analisarmos os 39 nomes alguns detalhes nos chamam a atenção. O ministério é homem e branco. Apesar da política de cotas raciais do governo, há apenas uma negra e, dos 39, somente seis são mulheres. O PT perdeu espaço e o ex-presidente Lula, ao que parece, diminuirá sua influência no segundo governo Dilma, pois o grupo vinculado a Lula dentro do partido reduziu a sua cota no grupo de ministros que estarão mais próximos da presidente. Como diz o velho ditado, “gato escaldado...”. Dilma parece não ter se esquecido de que foi justamente desse grupo que saíram alguns dos principais petistas participantes do Mensalão: José Dirceu, José Genuíno e Delúbio Soares.

Além de agradar os partidos aliados, Dilma preocupou-se também em agradar o mercado (leia-se banqueiros e especuladores financeiros), nomeando Joaquim Levy para a pasta da Economia, e os grandes latifundiários, nomeando Katia Abreu para a pasta da Agricultura; nomes que seriam mais afeitos ao PSDB do que ao PT e que se explicam pela vitória apertada da petista nas eleições.

                A colcha de retalhos ministerial, fruto da barganha política e do toma lá dá cá, típicos do cenário brasileiro, não leva em consideração o currículo do indicado e o seu conhecimento sobre a área da qual será responsável. No meio de um grupo de poucos especialistas e políticos sem expressão destaca-se o novo ministro do Esporte, George Hilton. Representando a cota do Senador Marcelo Crivella, a indicação desse pastor da Igreja Universal gerou muitas críticas entre os grupos organizados do esporte devido à sua pouca intimidade com essa área e possivelmente também pelo fato de que o escolhido para a pasta, caso o eleito fosse Aécio Neves, seria Ronaldo Fenômeno.

                O que esperar de um governo de composição tão estranha? Como acreditar que esse loteamento de cargos entre partidos aliados não resultará em novos escândalos de corrupção, já que essas siglas se digladiam pelos ministérios mais endinheirados não é à toa? Como acreditar em partidos que apoiam governos simplesmente pelo que estes têm a lhes oferecer e não pelas ideias e projetos afins? Difícil acreditar naqueles que já abusaram demais das nossas crenças.

 

REALIDADE E ILUSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E OS FUTUROS ENFRENTAMENTOS DOS EDUCADORES COM O ESTADO

Teones França – Historiador  (17/12/2014)

 


(Parte II/II)

 

O que para os trabalhadores e seus representantes deveria ser uma educação pública de qualidade? Repetimos isso como um mantra há anos, mas sabemos de fato o que queremos ao erguer essa bandeira? Será que a lógica marxista de combinar instrução, ginástica e trabalho produtivo está presente aí? Talvez o debate de anos travado na Escola Politécnica (conceito esboçado inicialmente por Marx) da Fiocruz a respeito dessas questões possa ajudar bastante.

                No entanto, parece-me que essa e outras discussões a respeito da educação são por nós geralmente desprezadas. E, assim, não realizamos o debate e nos abstemos de disputar a consciência dos educadores sobre essas questões. A impressão que fica é que o único ponto de pauta presente em nossas assembleias é a deflagração ou não da greve. Pouco importa debater com o conjunto dos educadores a implantação de uma educação para os filhos dos trabalhadores. Com isso, apenas as propostas governistas adentram os portões das escolas públicas e temos que nos virar para questioná-las.

Quanto à educação na rede pública estadual, ao que se reduziu? Com seus currículos mínimos, objetivando padronizar por baixo os conteúdos para facilitar a melhoria dos resultados nas provas do governo federal e, consequentemente, o crescimento do índice do estado no Ideb; com suas políticas de meritocracia, meras “cenouras” postas à frente dos educadores para que corram com mais afinco despejando no dia a dia as estratégias medíocres do secretário de educação de plantão; com seus números reduzidos de funcionários, obrigando os mestres a se desdobrarem em diversas funções e transformando as escolas em reles depósitos de crianças que, supostamente, estudam enquanto seus pais vão ao trabalho.

O que faremos diante dessa realidade? O de sempre? Ou seja, greve para tentar recuperar nossas perdas salariais e questionar os projetos mirabolantes postos em prática em todo início de governo? Sem contar que nem apresentamos em contrapartida um projeto alternativo.

Acho que a greve segue sendo a principal tática de luta e resistência dos trabalhadores, mas é necessário secundarizá-la em alguns momentos, como este, para não desgastá-la. As greves de pouca adesão dos últimos anos (na rede estadual-RJ) e os parcos resultados obtidos afastaram ainda mais os educadores, temerosos com o corte de ponto e outras arbitrariedades. É salutar que analisemos bem a conjuntura do momento e paremos com a dicotomia greve ou peleguismo. Utilizar em dados momentos (como o próximo ano) outras formas de luta pode se mostrar mais adequado. Lembremos que no auge da luta sindical no Brasil nos anos 1980 novas formas de luta (greve cera, greve da vaca doida etc.) foram criadas com o objetivo de tornar a luta mais eficiente.

O boicote ao currículo mínimo deve voltar à baila. Não podemos aceitar a perda de nossa autonomia em decidir quais conteúdos devem ser ministrados. Consequentemente, debater em cada escola a necessidade de virarmos as costas para as tais provas governamentais que não servem para nada além de elevar o índice do estado no Ideb. É necessário dar mais ênfase à crítica à meritocracia, conceito que é bem aceito no conjunto da sociedade.

No mesmo sentido, uma campanha pelo não lançamento de notas no sistema on line também deve ser implementada. Se o governo se recusa a realizar concurso para funcionários, se não há secretários nas escolas a culpa não é nossa. Por que aceitarmos “adiantar aula” quando falta um colega? Por que não denunciarmos com mais competência as (várias) turmas nas escolas que passam o ano inteiro sem professores de diversas disciplinas?

Devemos também propor a recusa em aprovar aluno que não tenha rendimento suficiente. Chega de “empurrar” aluno para outra série porque o governo quer diminuir o índice de evasão e repetência. Ao final do ano, com um índice de reprovação condizente com o real poderemos divulgar que “essa é a verdadeira realidade da educação no estado”.

É verdade que essas propostas – e outras de orientação parecida – não são novas, mas a sua ênfase em momento tão frágil quanto o atual pode ser o possível a ser feito e, se bem feito, representar um passo importante na destruição por dentro da política governamental.

 

REALIDADE E ILUSÕES SOBRE A EDUCAÇÃO LIBERTADORA E OS FUTUROS ENFRENTAMENTOS DOS EDUCADORES COM O ESTADO

Teones França – Historiador  (17/12/2014)

 


(Parte I/II)

 

Fico apreensivo quando observo educadores caracterizarem a educação como libertadora, sob o ponto de vista do senso comum, ou seja, entendendo que ela possa libertar social e/ou economicamente.

Deixo claro, de antemão, de que maneira considero esse termo aceitável: na lógica original de Paulo Freire, cuja concepção prevê que o processo de educação pressupõe tanto a etapa de desvelamento de uma realidade quanto a prática de transformação desta. Introduzo essa discussão aqui apenas como uma análise prévia para apresentar pequena contribuição a respeito da atualidade da educação pública de 1º e 2º segmentos, em especial no que tange às escolas estaduais do RJ; e possíveis táticas de enfrentamento com os governos para o próximo período.

                “Estude para ser alguém na vida”. Ainda vemos professores aconselhando assim seus alunos. Crer que a educação possa libertar economicamente é risível diante da extrema competitividade no mundo atual, onde o mercado de trabalho é um gargalo estreito, mesmo para os diplomados. Foi-se o tempo em que “canudo” significava ascensão social”.

                É ilusória também a crença na libertação social através dessa educação. Muitos dizem que ela pode desenvolver a consciência crítica nos indivíduos. “Depois de 20 anos na escola, não é difícil aprender todas as manhas do seu jogo sujo...”. A educação de crianças, jovens e adultos pode tão somente possibilitar-lhes desvendar os códigos presentes no mundo a ponto de lhes dar condições de, caso queiram, ir à busca de uma consciência crítica. Entretanto, me parece que um número cada vez menor de letrados em rede pública ou privada torna-se sujeito crítico. O avanço da ciência e da tecnologia facilita o acesso a uma quantidade maior de informações, porém, são informações sem profundidade. Sabemos superficialmente de mais coisas e, ao mesmo tempo, sabemos muito pouco sobre elas.

                Num mesmo sentido, não podemos confundir consciência crítica com consciência de classe, pois esta última depende do conhecimento do indivíduo de sua posição dentro do processo de produção e é consequência da crescente luta política entre burgueses e trabalhadores no interior da sociedade capitalista. Portanto, a verdadeira consciência a qual os educadores dos filhos de trabalhadores deveriam almejar que estes atingisse, a consciência de classe, não é fruto simplesmente da presença deles na escola.

                Dessa forma, conclui-se ser inócua a crença de que o processo educacional, da maneira como é praticado, seja suficiente para libertar o indivíduo das amarras que o relegam às sombras e não o permitem compreender quem de fato são seus inimigos e que a sua liberdade total – ou ao menos, a melhoria de sua vida – depende da luta coletiva contra esses inimigos. Posto que, no máximo, esse processo pode desnudar a realidade em que se vive, mas não aponta as condições para a sua superação. Além do mais, trata-se de uma educação que parte do pressuposto de que é necessário transportar conteúdos e anseios sociais das melhores escolas privadas – de ricos – para as escolas de pobres. Ora, os ricos não estão muito preocupados em superar o status quo vigente. Essa lógica, baseada na educação cidadã (todos são iguais perante a lei), não nos serve, pois não se pauta pelo critério de classe, este, sim, imprescindível num processo educacional transformador que leve em conta a desigualdade social.

“ISSO, ISSO, ISSO!”

A ATUALIDADE DO SERIADO CHAVES: INGENUIDADE E REALIDADE.

TEONES FRANÇA - HISTORIADOR- 30/11/14

 


                Morreu Roberto Gómes Bolaños.

                Dito assim parece apenas uma informação cotidiana anunciando o falecimento de uma pessoa desconhecida. À exceção dos obcecados pela TV Globo, no entanto, quando se acrescenta a esse obituário o epitáfio de que se trata do criador e intérprete do personagem principal do seriado Chaves, certamente a consternação amplia-se bastante já que mesmo os que não eram fãs do “menino do barril” nada tinham contra ele.

                Igualmente a muitos brasileiros, me ponho no rol daqueles que reclamavam junto ao SBT cada vez que o seriado era retirado da grade de programação; nesses últimos trinta anos a série mexicana está entre as poucas coisas que me prendem à frente da televisão. Nos idos de minha infância isso era algo compreensível, mas, tratando-se de um jovem senhor, rever de forma repetitiva os episódios exibidos desde o início da década de 1980 foge até ao meu próprio entendimento. Como encontrar nessa atitude explicação racional para além de um mero “complexo de Peter Pan”?

                A morte de Bolaños me levou a refletir a esse respeito e cheguei à conclusão de que não é tão difícil responder a essa pergunta.

                Há muito além da piada fácil e dos bordões repetitivos. O riso saía – e sai – frouxo em situações simples, construídas num momento distante da chatice do “politicamente correto”. As chacotas feitas a um menino obeso ou a uma idosa – que de tão feia é chamada de “bruxa” – soava ingênuo há três décadas. Uma ingenuidade castrada recentemente pelos (mal-humorados) arautos defensores da “correção”. Cabe destacar ainda a despreocupação em manter em diversas cenas dois personagens fumando cigarro ou charuto. Um cenário pouco parecido com a hipocrisia atual.

                Era – e segue sendo – fácil se identificar com as traquinagens naturais de crianças de oito anos interpretadas por adultos. Por sinal, apenas esse fato já demonstra que não estava entre os objetivos do programa ser totalmente realista, mesmo porque muitas das situações engraçadas em seriados de humor originam-se justamente nos exageros sobre a realidade. Como é chato vermos programas tolos tentando falar de coisas aparentemente sérias. Chaves, não. Pretendia ser bobo, e era mesmo, desde a sua proposta inicial. Mas, uma bobeira fruto da ingenuidade própria da infância.

                É notória a semelhança do menor abandonado, ávido por um sanduíche de presunto, com milhões de crianças espalhadas pelo mundo – assemelhando-se, assim, também com o Carlitos chapliniano. É totalmente plausível traçarmos um paralelo entre o cortiço onde acontecem os principais episódios e a situação precária de moradia de tantos e tantos latino-americanos. As dificuldades enfrentadas pelo professor Girafales ao tentar ensinar seus alunos também é algo bem real e atual. Rir da cruel realidade imposta (por quem?) aos mais necessitados – essa sim, uma das propostas de Bolaños.

                Foi exatamente essa questão social, latente em quase todos os episódios de Chaves, que me tranquilizou quando, adulto, passei a questionar por deixar-me entreter por um seriado infantil, da mesma maneira que também comecei a criticar a idolatria por Bolaños que me acompanhava, ignorando a passagem dos anos e o avançar da idade.

                A crítica social feita por Bolaños me bastava para justificar sem culpas minha presença à frente da TV. Não queria saber seu posicionamento a respeito da revolução mexicana e de Emiliano Zapata; pouco importava o que pensava sobre os zapatistas e o comandante Marcos; se votava no PRI; não interessava se emocionava-se diante dos murais de Diego Rivera e das pinturas de Frida Kahlo. Era melhor que eu não buscasse essas informações. Sabe-se lá se ele iria me desapontar e há poucas coisas tão deprimentes quanto o desapontamento de um fã para com seu ídolo quando se transpassa a fronteira entre ficção e realidade.

                Faz parte da vida. Infelizmente, morreu Roberto Gómes Bolaños. Contudo, Chaves sempre permanecerá vivo na memória de milhões de adultos e crianças que se encantaram e se encantam com as historinhas ocorridas em torno de um menino órfão, que foi adotado por uma senhora que morava num cortiço, na casa 8, e tornou-se abandonado ainda bebê após o falecimento dessa mãe adotiva. Mais que isso, Chaves seguirá sendo atual enquanto essa sociedade tão desigual continuar a existir. Portanto, os episódios de Chaves continuarão atraentes simplesmente porque milhões de Chaves seguem morando em barris, sonhando com um sanduíche de presunto neste exato momento.